quarta-feira, 14 de novembro de 2012

Manuel António Pina

«As palavras (o tempo e os livros que
foram precisos para aqui chegar,
ao sítio do primeiro poema!)
são apenas seres deste mundo,
insubstanciais seres, incapazes também eles de compreender,
falando desamparadamente diante do mundo.

As palavras não chegam,
a palavra azul não chega,
a palavra dor não chega.
Como falaremos com tantas palavras?
Com que palavras e sem que palavras?
E, no entanto,
é à sua volta
que se articula, balbuciante,

o enigma do mundo.
Não temos mais nada, e com tão pouco
havemos de amar e de ser amados,
e de nos conformar à vida e à morte,
e ao desespero, e à alegria,
havemos de comer e de vestir,
e de saber e de não saber,
e até o silêncio, se é possível o silêncio,
havemos de, penosamente, com as nossas palavras construí-lo.
Teremos então, enfim, uma
casa onde morar
e uma
cama onde dormir
e um sono onde coincidiremos
com a nossa vida,

um sono coerente e silencioso,
uma palavra , sem voz, inarticulável,
anterior e exterior,
como um limite tendendo para destino nenhum
e para palavra nenhuma.»


Sem comentários:

Enviar um comentário